Siqueira/Praia de Iracema

Originalmente publicado no Blog À Procura de Sentido em 29/01/2011
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O filósofo francês Jean Paul-Sartre compara a existência humana a uma viagem de trem no decorrer da qual em certa estação embarcamos - o nascimento - e numa outra completamente desconhecida iremos desembarcar ao final de nossa própria linha - a morte. No curso dessa viagem, porém, não estamos sozinhos: pessoas embarcam e desembarcam a todo instante, de estação em estação. Umas passam pela vida como se não existissem para nós, à semelhança das milhares de rosas que existiam no mundo, mas que não cativavam o pequeno príncipe; outras irão marcar nossa existência como aquela rosa única que foi capaz de cativar o principezinho morador do asteroide B-612.


A mim, particularmente, essa comparação do Sartre me parece muito familiar e vívida já que em dias normais chego a tomar não trens, mas ônibus, dez entre idas e vindas da faculdade, casa e escolas de Fortaleza e Maranguape. Pela contagem mais baixa feita no Google Earth permaneço diariamente dentro dos coletivos por cerca de 81,7 Km, numa jornada de aproximadamente 4h15min em dias sem muitos engarrafamentos e sem chuva. Não por acaso é dentro dos ônibus - devo confessar - que faço meu maior número de leituras de xérox e livros do curso de psicologia e outros de filosofia que me ajudarão nas aulas do Ensino Médio.


Nessas intermináveis viagens que chamo minhas micro-epopeias particulares vejo, escuto e sinto os casos mais curiosos, que venho tentando reunir sob o título de "crônicas de uma vida em pé". É assim, ou sentado, quando dá, que vejo a vida passar pela janela dos ônibus urbanos e interurbanos da Grande Fortaleza. Das janelas, agora lavadas pelas chuvas tempestuosas de janeiro - que a FUNCEME teima em dizer que "ainda não estamos na quadra invernosa" - vejo cenas comuns e outras não: a grávida que sobe pela frente e senta orgulhosa enquanto o pobre cobrador levanta-se de seu assento para ir buscar seu passcard; o trabalhador dormindo de boca aberta voltando pra casa; a senhora que "esculhamba" (xingar não é coisa de cearense) o motorista na hora de descer; o rapaz gritando no sinal (semáforo) "água-côôôco"; os jovens com seus fones de ouvidos etc.

"Pra onde estão indo as pessoas?" penso eu na fila de espera do 073 no Terminal Siqueira, minha segunda casa. "Qual o sentido de tudo isso para cada uma delas? Em que parada irão descer? E eu, aonde vou descer? Estarei sozinho nessa jornada? Porque permanecer no ônibus (trem)? Alguém me espera no final da linha?". Espero que sim.


 Por Neto Alves

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