Vizinhos por uma semana ou Psychoda Alternata - Da Série "Sobre o Morar em Quitinete"

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Os únicos seres humanos que batem à porta do 204, número da minha preciosa quitinete de 16 m², são invariavelmente, minha vizinha do lado de direito - logo logo tenho uma história nova pra contar sobre a dita - e minha adorável namorada, quando vem me fazer companhia me fazendo contar as horas à sua espera. Nenhuma delas, no entanto, bate à minha porta próximo às onze da noite, quando já não espero visitas, além das conhecidas muriçocas. Numa noite dessas, inusitadamente, eis que um tóc-tóc diferente me assaltou por essa hora deixando-me apreensivo. Quem seria? 

-Meu filho, me dê um copo d'água! 
-O que? Água? 
-É, água. Eu estou morando aqui embaixo essa semana e me deixaram sem água.
-Ah, sim. Espere um minuto!

Até hoje estou sem entender direito a situação. O que consegui apreender em minhas análises costumeiras foi que uma família ocupou por alguns dias um apartamento do andar de baixo e outro do meu próprio andar. A senhora que me pedira água, deveria ser a matriarca da família.

Foram dias intermináveis... e inesquecíveis. Não porque nós fizemos uma grande amizade e eles me convidaram para conhecer seu Interior e desfrutar de uma bela "malassada", chupar manga jasmim debaixo do pé e tomar banho de açude. Não, nada disso aconteceu. O que aconteceu foi o fim do meu precioso silêncio e privacidade, típicos do início da tarde. Explico: entre uma e três horas da tarde é o único momento do dia em que não há crianças gritando, mulheres martelando pregos à porta, ou atendentes de telemarketing ouvindo "Enfinca" à 75 decibéis. Pois justamente nestas sagradas horas - quando leio um pouco ou faço uma rápida sesta - é que meus "novos" vizinhos resolviam tomar banho. 

Mas não era o banho deles que incomodava, era o barulho que eles faziam no trânsito entre as duas habitações, e os curiosos olhares que lançavam sobre minhas leituras à porta aberta. Eram olhares do tipo que vai entrando e abrindo suas gavetas, folheando as páginas dos seus livros, revirando suas tupperware's, penetrando sua geladeira e olhando atrás das portas. O sujeito se sente nu diante de olhares assim. 

Embora tenham ido, lembro deles também quando estou tomando banho. É que as intrusas e dípteras psychodas - aquelas mosquinhas pequenas que nos incomodam no banheiro - me trazem de volta a sensação que aqueles olhares bisbilhoteiros me causavam. Mas eu vou encerrando por aqui, para o leitor não achar que sou paranoico. Na verdade, tem alguém arrastando um sofá no apartamento de cima. Não duvido que seja um novo vizinho chegando. Vai saber!


Por Neto Alves

3 comentários:

Unknown disse...

Eu amo Cronicas ;)
Netooo,vc é um genio com as palavras!

Neto Alves disse...

Também adoro escrevê-las, Samara. Obrigado pela bondade.

josé leite netto disse...

Rapaz, gostei muito do seu texto. Um coisa de fantástico e um humor maravilho. Prabéns