É
noite de quinta-feira (07), não se vê quase ninguém na praça da
Gentilândia. Apenas alguns vendedores ambulantes, vendendo seus
produtos, seja bebida, comida ou mesmo camisas e bandeiras do Ceará
Sporting Club.
Depois
de ter sido eliminado domingo numa Arena Castelão lotada (52 mil
pessoas), o torcedor do Ceará, tinha resolvido não aparecer.
Mas
para quem vive de venda, como Francisco Valdemir Viana Miguel de 52
anos, não tem dia bom. Desde que chegou a Fortaleza com um sonho de
uma vida melhor há 30 anos, com mulher e filhos, vindos do município
de Massapê, ganha a vida como ambulante. Durante o dia vende no
centro da cidade de Fortaleza e de noite na entrada dos estádios de
futebol quando tem jogo.
Ele
vende rádio, pilhas e fone de ouvido. O preço dos seus produtos é
em conta, porém a durabilidade é que é pequena. Todo jogo o
torcedor compra um fone de ouvido por apenas dois reais e muitas
vezes com um dia já não presta mais, então o mesmo torcedor vai lá
e compra de novo. Na outra partida.
Mas
a sua clientela é fiel, principalmente homens acima de 40 anos, que
gostam de ouvir a partida pelas emissoras de rádio local. São
clientes que consomem seus produtos há mais de uma década.
Enquanto
a cidade pulsa do lado de fora, com o engarrafamento tradicional de
cidade grande e mal planejada. Dentro do Estádio reina um silêncio,
os refletores ainda estão apagados, alguns ambulantes sentados nas
cadeiras azuis ao lado de seu material de venda.
Aos
poucos as luzes se abrem, chegam alguns torcedores e também o
narrador Jota Rômulo que senta na cadeira no mesmo lugar onde narra
os jogos do Ceará há mais de três anos, no meio dos torcedores.
Lugar que era conhecido como “cimento”, antes da reforma feita
pela ex-prefeita Luizianne Lins.
Jota Rômulo (narrador esportivo) |
Todas
as antigas emissoras em que trabalhou, não permitiam Jotinha estar
no meio do povo, mas quando surgiu o projeto Canal do Vovô na A3 FM
(91,3), ele não teve dúvidas de trocar o conforto das cabines de
rádio com ar-condicionado, pelo o agito das arquibancadas. Hoje na
92,9 se sente feliz.
Lembra
dos tempos de criança, quando aos 06 anos no distrito de Maracujá
no bairro do Mucuripe, imitava os narradores de futebol, com uma
latinha servindo como microfone, nos jogos do campo do Terra e Mar.
Filho
de pai e mãe alvinegros, Jota Rômulo, passou parte da vida como
vendedor, mas em 1989, largou tudo e foi ser narrador de futebol.
No
começo narrava todos os jogos, hoje ele não fica em cima do muro é
“torcedor alvinegro desde que foi gerado”, e só narra jogos do
seu clube de coração, uma homenagem a tradição herdada dos pais.
Perto
dali, dois homens perguntam sobre a senhora que vende a pamonha mais
gostosa que eles já comeram, segundo eles mesmos disseram. A pamonha
de dois reais e o café ou chá por apenas um real, fazem sucesso há
40 anos nos estádios de futebol de Fortaleza.
Francisca
Aires hoje com 59 anos, tem dificuldade de subir os degraus da
escadaria do PV, mas não se arrepende de estar ali vendendo seus
produtos. Pamonha, café e chá.
Ela
é mais uma cearense que deixou o interior de Itarema em busca de
ganhar a vida na cidade grande.
Seus
clientes a chamam de tia é uma ligação de amor. Quando algum
torcedor morre Dona Francisca chora como se fosse um parente seu. Por
isso não consegue ficar em casa em dia de jogo, mesmo que o lucro
não venha.
-
Eu tenho apego por isso aqui, é minha vida. Francisca fala a um
torcedor com a voz cansada.
Não
posso deixar de se admirar com a Cearamor criada em 1982, que faz ali
o Estádio Presidente Vargas vibrar com o cântico modificado da
música do Mamonas Assassinas:
“Ceará
estaremos contigo. Tu és minha Paixão Não importa o que digam.
Sempre levarei comigo,
minha camisa alvinegra, e a cachaça na mão. O estádio me espera,
Vai começar a Festa. Eu sou Ceará...”
Uma
torcida organizada anima a todos quando está na função para qual
foi criada. Antes realmente eu gostava de ficar ali, no meio da
bagunça, sentindo aquela emoção de adolescente, hoje já tenho 33
anos, me dei conta que a minha fase passou.
No
momento sou aquele torcedor que está com o radinho ligado, ouvindo o
que rola antes do jogo iniciar. Fico trocando o ponteiro das rádios,
não paro em uma emissora em especifico, mas aquela que está dando a
informação mais relevante me atrai.
Tinha
um radinho de pilha que movimentava com os dedos o botão, que rodava
e uma agulha indicava a rádio que estava sintonizada, mas resolvi
comprar um rádio digital, mas moderno, que sintoniza a rádio quase
automaticamente.
O
velho rádio, eu não aposentei, mas ele ta lá no móvel, largado,
guardando velhas lembranças de narrações fantásticas.
Num
estádio têm hora que parece meio sufocante as arquibancadas. As
pessoas estão todas conversando entre si, parece uma matraca
giratória. A conversa gira sempre sobre quem vai ser o jogador
contratado, quem vai deixar o time, quem joga melhor, se o rival
(Fortaleza) vai bem ou mal:
-
Que vergonha, perder dentro de casa para o time do ASA, o time deixou
de ganhar um milhão e meio de reais.
-
Acho que a diretoria deveria mandar esse lateral Erick e o Fransérgio
embora.
-
Com esse time não sobe para a Série A.
A
torcida do Ceará estava mal acostumada, depois de ter passado dois
anos na elite do futebol brasileiro, não se contenta com qualquer
time e fica criticando os jogadores por qualquer erro besta. Hoje
parece que o time está sem vontade.
E
por um momento, eu desvio o olhar do campo e vejo como tem mulher
bonita nas arquibancadas, são para todos os gostos: morena, branca,
loira, cabelo com escovinha, etc. Elas estão tranquilas, pois um
estádio de futebol é o único lugar do mundo, onde a mulher pode ir
sossegada que não vai ser assediada por ninguém, pois os olhares
estão todos fixos no que acontece dentro das quatro linhas.
Naquele
espaço conhecido como cimento os mesmo torcedores de sempre vão
para desabafar, gritar, reclamar. Uma espécie de liberação de
estresse da vida cotidiana. Se o time perde, como ocorreu nessa noite
por 2 x 1 para o Guarany de Sobral a tristeza é grande.
Mas
uma volta para a realidade: a vida de dona de casa para Francisca
Aires, a missão de pai e marido de Jota Rômulo e de Francisco
Valdemir. Eu volto a minha dura realidade de estudante e trabalhador.
As luzes se apagaram.
Por Carlos Emanuel
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