Minha vizinha do outro lado tem medo de escorpiões. Este
tipo de aracnídeo “tem teimado em entrar na minha quitinete e assustar-me”, afirma
ela sentada no chão do corredor do andar onde moramos e no qual, inquieta, a
senhora de meia idade, tenta pregar uma contenção de alumínio na parte de baixo
de sua porta. Martelo e pregos na mão, o barulho que ela faz – tão incomum de
vir da sua parte, já que ela é sempre silenciosa e mal fala com os vizinhos, –
não me irrita por que simplesmente sou uma pessoa “irritável”, mas pelo fato de
há dois dias estar tentando redigir um artigo científico de final de semestre
acadêmico. Ela tentando resolver um problema que a incomoda, e eu me incomodando
com a solução dela.
“Pá, pá, pá, pá...” é ensurdecedor o barulho de cada
martelada. De repente um “ai!” e saio para ver o que ocorre. “Tudo bem vizinha?”
Ela sempre me saúda assim. “Tudo, vizinho. Só estou fechando a porta aos
malditos escorpiões”. Insisto com ela que os temidos rastejadores entram pelo
ralo do banheiro, mas ela é irredutível em afirmar que eles a espreitam pela
porta de entrada e invadem sua pequena moradia. “Malditos escorpiões, tenho que
mudar-me daqui!”
Um desses “malditos” também costuma me visitar vez por
outra, mas meus temores são outros, e não incluem o senhor lacrau.
Tenho minhas teses à respeito da minha estimada vizinha.
Bem, neuróticos somos todos, eu que tenho de escrever estas linhas para
descarregar minha irritação por não conseguir terminar meu artigo da faculdade,
e você leitor que fica curioso por querer bisbilhotar minha neurótica vida de
solteiro (embora namorando, se não disser isso minha neurótica namorada me
arranca os olhos).
Como ia dizendo, chamá-la de neurótica é uma hipótese muito
óbvia. Minha vizinha é algo mais que isso. Cheia de um ar misterioso ela não
olha nos olhos de seus interlocutores, e com uma voz forte de dar medo, lhe cumprimenta
nos corredores sem parar, simplesmente vai andando e fugindo de você. Não tenho
medo dela, mas confesso que às vezes acho que ela bem que poderia estar fazendo
coxinhas e empadas com recheio de carne humana no seu silencioso apartamento. Foi o que elucubrei quando a família canibal de Garanhuns (PE) foi presa.
Mas são apenas especulações, na verdade minha vizinha é gente muito boa, muito mais interessante do que os bichos que a atormentam.
Por Neto Alves
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