Rebeldia que faz bem

(Foto: Divulgação/ Evandro Monteiro) - Prêmio Esso de Fotografia 2005
Em homenagem ao meu irmão de oito anos e a todos aqueles que se indignam diante da injustiça sofrida.

Criança "rebelde" é vista, geralmente com "maus olhos" por aqueles que exercem a função de seus  cuidadores: familiares, educadores e outras figuras de autoridade. Elas são chatas, mau-criadas, teimosas, e precisam ser castigadas para não se tornarem adultos maus. Mas desobedecer é sempre um mal, algo negativo?

Meu  irmãozinho de oito anos não engole fácil qualquer sapo e me tem ensinado como não curvar a cabeça diante da vida, especialmente daqueles que tem prazer em oprimir e subjugar. Adoro ver a maneira como ele reage às pressões dos adultos. Como ele se preserva e defende aquilo em que acredita. Fico pensando em quando éramos pequenos e aceitávamos certos tipos de violência dos grandes. 

Particularmente admiro a rebeldia e a "mau criação". Em tempos de jovens apáticos diante das questões de interesse coletivo e de massas idiotizadas pelos meios de comunicação que manipulam e distorcem as informações, as crianças/os jovens que parecem ter um comportamento mais opositivo podem estar, na verdade, reagindo contra uma ditadura silenciosa, já denunciada por pensadores como Foucault.

Se algum interessado quiser folhear o DSM-4, um manual de classificação e diagnóstico dos transtornos mentais, editado pela Associação Americana de Psiquiatria, e que é usado no mundo inteiro por profissionais de saúde mental, verá que as características necessárias para diagnosticar alguém como "rebelde" se identificam com o comportamento de muitas pessoas saudáveis de hoje e de outras épocas - inclusive o meu irmãozinho mais novo. 

Muito cuidado, se você apresentar pelo menos quatro das seguintes características! Você pode ganhar em sua ficha médica o número/código F91.3 - 313.81:
A característica essencial do Transtorno Desafiador Opositivo é um padrão recorrente de comportamento negativista, desafiador, desobediente e hostil para com figuras de autoridade, que persiste por pelo menos 6 meses (Critério A) e se caracteriza pela ocorrência freqüente de pelo menos quatro dos seguintes comportamentos: perder a paciência (Critério A1), discutir com adultos (Critério A2), desafiar ativamente ou recusar-se a obedecer a solicitações ou regras dos adultos (Critério A3), deliberadamente fazer coisas que aborrecem outras pessoas (Critério A4), responsabilizar outras pessoas por seus próprios erros ou mau comportamento (Critério A5), ser suscetível ou facilmente aborrecido pelos outros (Critério A6), mostrar-se enraivecido e ressentido (Critério A7), ou ser rancoroso ou vingativo (Critério A8). [grifo nosso]

Sob uma espécie de "ditadura das regras dos adultos" - alguém já perguntou ao DSM-4 qual a sua definição de adulto? -  você seria enquadrado imediatamente no "Transtorno Desafiador Opositivo". Você e pessoas como o estudante cearense  Bergson Gurjão de 25 anos que por participar do XXX Congresso da UNE em Ibiúna-São Paulo, em outubro de 1968, foi expulso do curso de química da UFC e depois condenado a dois anos de prisão como "terrorista" e "subversivo", e depois foi morto em confronto com esse mesmo poder que o obrigara a viver na clandestinidade; subversivo também o garoto da foto acima, de autoria do paulistano Evandro Monteiro e que o consagrou em 2005 com o Prêmio Esso de Fotografia. O garoto, demonstra "postura desafiadora frente a integrantes da Guarda Civil Metropolitana, durante confronto com camelôs, na Praça da Bandeira, em São Paulo" de acordo com a organização do prêmio.

Portanto, rebeldia em tempos de apatia, pode muito bem ser sinônimo de "normalidade" ao invés de transtorno, de autoproteção ao invés de responsabilização dos outros, de obediência a si mesmo e aos seus valores ao invés de desobediência.

Por Neto Alves

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