O DISCURSO DO REI - Resenha do Filme


É impressionante como o cineasta inglês Tom Hooper e o roteirista igualmente britânico David Seidler conseguiram transformar o banal, o corriqueiro, em algo grandioso, grandiloqüente, épico. Como uma simples gagueira ajudou a definir o rumo que tomaria a Segunda Guerra para os Aliados.

Lionel Logue (Geoffrey Rush) é um ator fracassado apaixonado por William Shakespeare, mas com talento aquém do esperado para se tornar intérprete das peças do bardo, ele ganha a vida curando distúrbios da fala de seus pacientes. Lionel é dedicado, e pouco ortodoxo, ele faz com que seus pacientes digam palavrões em alto e bom som dentro de seu consultório, para, supostamente, aliviar a tensão, até faz com que rolem pelo chão e toda sorte de comportamentos estranhos, e até mesmo cômicos para quem não está acostumado àquilo.
Seus métodos são claramente inspirados nas escolas de atuação que o personagem frequentara, embora não tenham produzido o efeito desejado nas performances teatrais do terapeuta, pois se trata de um perfeito canastrão.
O rei do título, que no início do filme ainda é o Príncipe Albert, Duque de York, ou simplesmente Bertie, é o segundo filho do Rei Jorge V. O príncipe é interpretado pelo ator Colin Firth.
A obra de William Shakespeare é citada com freqüência durante o filme, sempre fazendo uma analogia entre personagens como Ricardo III, da peça homônima, cujo título original é The Tragedy of King Richard the Third, o deformado anti-herói, e o Príncipe Albert acuado por seus traumas de infância, com sua psique deformada e vítima de escárnio de seu irmão mais velho, David, o primeiro na linha sucessória ao trono.
Albert é um príncipe recalcitrante, ele não percebe em si o potencial para grandes realizações, algo que o profético Logue já preconizara, motivo até de um grave desentendimento entre os dois homens, que causou um rompimento temporário em suas relações.
Albert é inseguro, formal e temperamental, Logue é um plebeu extrovertido e excêntrico. Dois opostos que por um capricho do destino acabaram se encontrando e nascendo uma amizade que duraria até o fim de suas vidas.
O filme tem início com o Príncipe Albert exercitando sua eloqüência, ou falta dela, para uma multidão em 1925. Ele tenta discursar, mas só consegue constranger a si mesmo e à platéia, o público que o ouve se encontra no Estádio de Wembley, também está presente a futura rainha da Inglaterra, Elizabeth, sua esposa. Interpretada por Helena Bonham Carter.
O discurso é um fracasso e Bertie passa a submeter-se às mais estranhas terapias até ser apresentado a Lionel Logue, um fonoaudiólogo australiano, sem curso superior. O hesitante príncipe só se convence de que encontrara a solução para seu problema de fala após ter contato com as inusitadas técnicas do terapeuta, Logue põe fones de ouvido no príncipe com Le nozze di Figaro, de Mozart, sendo executada, enquanto pede que Bertie recite o monólogo “Ser ou não ser”, da peça Hamlet, de Shakespeare. O príncipe, que não podia ouvir sua declamação devido à música dos fones, sai do consultório irritado, disposto a não voltar mais. Antes disso, Logue havia lhe entregado um disco com o monólogo recitado na voz de Albert gravado.
Albert vai para casa e, sem nenhuma expectativa, resolve ouvir o disco com a gravação e se emociona ao descobrir que seu discurso está perfeito, sem qualquer sinal da disfunção que o aflige desde a infância.
Novamente no consultório do terapeuta, Albert é instigado a praticar variadas formas de relaxamento muscular e exóticos exercícios respiratórios, ao mesmo tempo em que é inquirido sobre possíveis causas psicológicas para seu distúrbio.
O príncipe se abre e revela seus traumas de infância ao novo amigo, ele relembra o comportamento severo de seu pai para com os filhos, o preconceito que sofreu por ser canhoto, o sofrimento provocado pelo tratamento de seu joelho, a morte de seu irmão, príncipe John, e os beliscões infligidos por sua babá, para fazê-lo chorar e ser repreendido pelos pais. A justificativa para tal comportamento era que ela tinha preferência por David, seu irmão mais velho.
Pouco tempo depois, morre o pai do príncipe, o Rei Jorge V. David, o primogênito, sobe ao trono e auto intitula-se Rei Edward VIII. Mas chega o momento em que o novo rei deve escolher o trono ou uma aventura amorosa com Wallis Simpson, uma americana divorciada, algo mal visto pela Igreja, que apoiava a Monarquia Parlamentarista da Inglaterra. Bertie dá um ultimato ao irmão, dizendo que ele não pode relacionar-se com uma divorciada e ainda ser rei da Inglaterra, este zomba da gagueira de Bertie. No dia seguinte, Logue tenta consolar Albert, dizendo que este se tornaria rei, o príncipe se irrita e rompe a amizade com o terapeuta. David/Edward VIII decide-se pela amante e abdica do trono em favor de Albert, que será coroado com o título de Rei Jorge VI.
Inseguro, e sentindo o peso da responsabilidade sobre seus ombros, Jorge VI (Bertie) decide que quer Logue como seu conselheiro em tempo integral. Jorge VI e a rainha vão à casa de Logue para se desculpar. Lá eles são apresentados à esposa de Logue. O rei insiste que Logue permaneça no camarote real durante a coroação na Abadia de Westminster. O Dr. Cosmo Lang, Arcebispo da Cantuária, enciumado, questiona a falta de formação universitária de Logue, o que provoca novo desentendimento entre os dois amigos. Logue revela como desenvolveu suas habilidades na prática com soldados traumatizados pela Primeira Guerra. Ao ver Logue zombando da pompa real, sentando-se no trono de seus ancestrais, Jorge VI o repreende e cai em si, descobrindo-se estar à altura da expectativa depositada sobre ele.
No ano de 1939, a Inglaterra declara guerra à Alemanha e espera-se um discurso de incentivo aos soldados e suas famílias , que Jorge VI terá de fazer para manter o protocolo. Ele manda chamar Logue ao Palácio de Buckingham e se tranca em um estúdio com o terapeuta para preparar o discurso, um pouco antes disso, Winston Churchill (Timothy Spall), o Primeiro-Ministro do Reino Unido naquele momento, informa ao rei que seu problema de fala pode ser usado a seu favor. O rei inicia seu discurso e o faz inteiro sem nenhuma hesitação, e sempre sendo estimulado por Logue, que era a única pessoa presente no estúdio, além do monarca. Logue regeu o discurso inteiro como um maestro e sua orquestra, fez com que Jorge VI falasse o discurso como se estivesse fazendo só para ele e não para seus súditos. Logue diz: “Esqueça tudo e fale comigo. Fale comigo como um amigo.”
O Rei inicia o discurso: “Neste momento difícil, talvez o mais fatídico da nossa história, eu envio a cada casa dos meus povos, tanto em casa, quanto além mar, esta mensagem, falada com a mesma profundidade de sentimento a cada um de vocês, como se eu pudesse cruzar suas soleiras e falar a vocês pessoalmente.
Pela segunda vez na vida da maior parte de nós estamos em... em guerra.
Diversas vezes tentamos encontrar uma solução pacífica para as diferenças entre nós e aqueles que agora são nossos inimigos. Mas foi tudo em vão. Fomos forçados a um conflito, pois somos chamados a enfrentar o desafio de um princípio que, prevalecendo seria fatal a qualquer ordem civilizada no mundo. Tal princípio, despido de qualquer disfarce é sem dúvida a mera doutrina primitiva que diz que a força é o direito.
Pelo bem daquilo que nós mesmos amamos é impensável recusarmo-nos a enfrentar o desafio. É por esse propósito elevado que eu agora chamo o meu povo em casa e meus povos do além mar que tomarão a nossa causa como sua. Eu peço a eles que permaneçam calmos, firmes e unidos neste momento de provação.
A tarefa será dura. Pode haver dias sombrios pela frente em que a guerra não poderá mais ser confinada ao campo de batalha. Mas podemos apenas fazer o que é certo, quando este se apresenta. E reverentemente entregar nossa causa a Deus. Se todos nos mantivermos unidos, decididamente leais a ela, daí então, com a ajuda de Deus, nós triunfaremos.”
O discurso é um sucesso, e o rei recebe toda sorte de elogios e é aclamado por uma multidão, que se aglomerava logo abaixo da sacada do palácio. O rei e sua família saúdam a população, e assim se encerra a projeção. Nos créditos finais é revelado que Logue assessorou o rei em todos seus discursos durante a Segunda Guerra Mundial, e que Logue e Jorge VI permaneceram amigos até o fim de suas vidas, como já foi dito neste texto, e que o monarca concedeu a Logue o título de Comandante da Real Ordem Vitoriana em 1944. Um ano antes do fim da Guerra.
Há um momento muito interessante próximo do fim do filme, quando Bertie finalmente deixa de ser uma promessa, para se tornar merecedor das esperanças que foram depositadas nele. Após seu discurso triunfal, Bertie conquista o respeito de Logue, e este deixa de chamá-lo pelo apelido que o infantiliza, para se tornar Vossa Majestade, o monarca da nação britânica. Logue diz: “O seu primeiro discurso de guerra. Parabéns.”
O rei responde: “Eu espero ainda ter que... fazer muito mais. Obrigado, Logue. Bom trabalho. Meu amigo.”
Logue: “Obrigado... Vossa Majestade.”
Um autêntico exemplar do subgênero Drama de Superação, que ainda transmite com maestria o valor de uma amizade. Este filme de 2010 venceu as principais categorias do Oscar, incluindo Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator (Colin Firth) e Melhor Roteiro Original.
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